quinta-feira, 21 de julho de 2016

Lições com Rispa





Gosto de textos intrigantes, pois sempre escondem tesouros em suas entrelinhas. Tesouros nunca estão à vista de todos. É preciso procurar com afinco, persistência e atenção para encontrá-los. Alguns estão no fundo dos oceanos, uns no mais profundo da terra, outros precisam de mapas e orientações bem específicas; mas outros estão nas entrelinhas das narrativas bíblicas. Esses possuem um valor mais elevado que qualquer outro, pois nos ensinam a viver rica, produtiva e sabiamente.
O texto bíblico de 2 Samuel 21.8-14 baseia-se na breve história de uma mãe e seus dois filhos. Seu nome: Rispa. Esta mulher era filha de Aia e uma das concubinas do rei Saul; dessa união nasceram-lhe dois filhos: Armoni e Mefibosete. Um grave período de fome, que durou três anos, levou Davi a perguntar ao Senhor qual era a causa daquela tragédia. A resposta foi que tudo aquilo acontecia por causa da tentativa de Saul de destruir os gibeonitas e, assim, quebrar o pacto que Josué fizera com eles (Js 9).
De posse da resposta, Davi perguntou aos gibeonitas o que devia fazer para contornar aquela situação e eles pediram que lhes fossem entregues sete descendentes de Saul, para que fossem mortos. Neste “acordo de paz e reparação”, os dois filhos de Rispa com Saul, Armoni e Mefibosete, estavam entre os que foram entregues pelo rei. Depois de mortos, seus corpos foram deixados expostos em Gibeá. Rispa, a mãe dos rapazes, colocou-se sobre a rocha, perto dos cadáveres, e não permitiu que os pássaros ou qualquer outro animal tocassem neles, “desde o princípio da sega, até que a água caiu do céu”, (2Sm 21.10). Isso quer dizer que, num período de aproximadamente sete meses (esse era o período da colheita, que durava de abril a outubro), ela fez o improvável: não abandonou seus filhos, nem mesmo depois de mortos.
A dor daquela mulher de perder seus filhos se materializou em sua atitude. Dia e noite ela se pôs a afastar os animais que ousassem se aproximar dos cadáveres de seus filhos. Durante todo o período de dor, questionamentos e solidão que Rispa enfrentou por contemplar todos os dias os corpos de seus filhos, como se nunca tivesse ouvido seus risos e se unido a eles em seus sonhos e planos para o futuro, é possível que outras mulheres tenham se juntado a ela, ajudando-a nessa missão aparentemente sem qualquer sentido.
O que mais Rispa podia fazer naquela situação? O que fazer quando parece que nada mais pode ou vale a pena ser feito?
Talvez alguns a criticassem julgando-a como louca, histérica, mas é possível também que sua atitude despertasse a compaixão e a solidariedade de outros. O fato é que aquela mulher continuou exercendo seu papel de mãe com zelo, cuidado, persistência e coragem. Em meio aquele caos, ela encontrou algo para fazer por seus filhos: cuidar para que as aves e os animais não se alimentassem de seus corpos. Pode parecer uma atitude insana, estranha, sem nexo algum, mas Rispa nos deixa uma preciosa lição: cumprir o nosso papel, seja ele qual for, com cuidado e dedicação até o fim.
Aqui vão algumas lições que podemos aprender com Rispa:
1 - Todos têm o seu valor, independente do lugar que ocupam na comunidade no qual estão inseridos (2Sm 21.11). Quem era Rispa? Ela era concubina de Saul. Pouco sabemos sobre sua vida, mas uma coisa é certa: viver como concubina do rei não era tarefa fácil, apesar de todo glamour da vida palaciana. Portanto, não se julgue sem valor, incapaz, indigno ou impossibilitado para fazer algo ou ser alguém que provocará uma mudança radical em algum cenário à sua volta.
2 - Toda tarefa (missão - ministério) tem seu grau de importância (2Sm 21.10) - ainda que humana ou socialmente se tenha essa visão, abanar cadáveres durante meses, por exemplo, não parece ser algo muito significativo. Mesmo sendo Rispa a mãe "dos cadáveres", podemos pensar: “nada mais justo que a própria desempenhasse tal papel”. Ao contrário de Rispa, muitos pais desistem, antes mesmo que seus filhos morram fisicamente. Graças a atitude dessa mulher, as famílias que sofriam por verem seus entes queridos se deteriorando à vista de todos, usufruíram da atitude aparentemente sem qualquer valor.
3 - É preciso aprender a trabalhar sem os holofotes ou o reconhecimento de terceiros (2Sm 21.10a). A atitude de Rispa era um protesto solitário e é provável que ela não tenha intencionado alcançar resultados para além do enterro de seus filhos. No entanto, não somente seus filhos como todos os enforcados e também os restos mortais do rei Saul e seu filho Jônatas foram beneficiados com um sepultamento digno.
4. Cumpra seu papel, qualquer que seja ele, até o fim, 2Sm 21.10 b "... não deixou que se aproximassem deles as aves do céu de dia, nem os animais do campo de noite" - Qual o papel que, neste momento, cabe a você? Marido? Cumpra seu papel de esposo com fidelidade, amor, respeito e carinho até o fim. Esposa? Seja uma esposa dedicada, companheira, leal, amorosa e respeitosa até o fim. Mãe? Seja uma mãe dedicada na educação, na formação, na autonomia, no cuidado e no desenvolvimento saudável dos seus filhos até o fim; buscando o equilíbrio nas relações e promovendo um ambiente de diálogo e compreensão. Pai? Seja um pai presente, compreensivo, afetuoso e respeitoso; cumpra seu papel até o fim. Filho? Seja um filho grato, digno, respeitoso, afetuoso com seus pais, independente da sua idade; você recebeu cuidado, atenção, educação e alimentação, então prepare-se para retribuir cuidando deles, quando não puderem fazer por si mesmo. E, se seus pais não deram o que você precisava, não cuidaram como deveriam, enfim, não cumpriram seus papeis, não lhe cabe ser o juiz que os sentenciará à pena de pagar na mesma moeda. Seja filho até o fim. Chefe/líder? Seja um chefe digno, respeitoso, desempenhe seu papel com honra, responsabilidade e comprometimento com um ambiente de trabalho salutar. Cumpra seu papel até o fim. Colaborador? Seja um colaborador respeitoso, digno, pacificador e comprometido com a excelência dos resultados; cumpra seu papel até o fim. Enfim, qualquer que seja sua missão cumpra-a com zelo e comprometimento até o fim.
5. Transforme sua dor em algo produtivo (2Sm 21.11-12). Abanar os cadáveres de seus filhos foi a forma encontrada por aquela mulher para aplacar a sua dor, uma vez que nem ela nem eles foram responsáveis pela morte dos gibeonitas. Sua tragédia pessoal foi uma bandeira solitária contra o fim designado a seus filhos. Rispa alcançou resultados inimagináveis. Ainda hoje falamos sobre sua atitude. Podemos deixar de ser abençoados e abençoar alguém pelo simples fato de nos entregarmos à autocomiseração.
Isso nos leva a última, mas não menos importante lição:
6. Nossas atitudes não trazem consequências somente para nós. Como sempre digo: a vida é sua, mas as consequências são nossas! Quando alguém não cumpre o seu papel "até o fim", outros serão penalizados por isso. Saul, num ato insano de desobediência, feriu os gibeonitas, quebrando uma aliança feita desde a liderança de Josué. Os gibeonitas não queriam ouro e prata, e nem guerrear contra Israel, mas que fossem vingados pelo que Saul fez.
A morte dos filhos de Rispa não foi responsabilidade dela, e tampouco deles. Apesar disso, de alguma forma, ela atravessou aquele momento com um gesto solitário. Enxotar as aves e os animais era não se conformar com aquele trágico fim. Era, ao menos, desejar aos filhos uma despedida digna, um enterro descente da breve vida que tiveram. As palavras não ditas por aquela mulher ecoaram através de sua atitude e chegaram ao conhecimento do rei Davi (2Sm 21.11). Foi assim que o rei enterrou os ossos de Saul, Jônatas e de todos os outros que padeceram do mesmo fim que Armoni e Mefibosete, os filhos de Rispa. Sua atitude, antes solitária, se estendeu para além de sua própria dor e abençoou outras famílias que experimentaram a mesma angústia. O protesto solitário daquela mulher ecoou através dos muitos séculos e nos alcançou.
Talvez seja difícil acreditar que ainda exista algo a ser feito por alguém do nosso ciclo de relacionamentos, quando todos os recursos materiais se esgotaram. No entanto, deixemo-nos cativar pelo exemplo de Rispa, perseverante e determinada, aquela que cumpriu o seu papel de mãe até o fim. Não desanimemos. Sempre há algo a ser feito!

18 comentários:

  1. eu decidi perseverar ate o fim em todas as posicoes q Deus me colocou. mesmo em algumas delas estando com a aparencia de solidao. utilizo a oracao para afastar todos os devoradores das situacoes q ainda estao sem vida.
    obrigada mana amiga.
    o Sr continuara dando a percepcao do Alto sobre os tesouros biblicos q os olhos sem esta visao n conseguem achar.

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  4. Linda mensagem. E totalmente verdadeira.
    Que Deus continue abençoando sua vida.
    Frann

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  5. Que exemplo de fé, determinação e amor dessa mãe! Muito bom Sarah e obrigada por nos encorajar a viver essa fé! Deus te abençoe!
    Dulce

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  6. Relíquias do antigo testamento que DEUS só revela aos seus muito obrigado Sarah,por mais essa palavra
    Abençoada.

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  7. Minha querida escritora e amiga Sarah, cada vez leio seus textos fico maravilhada e abençoada!!

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  8. Analise fantastica.Isso é um exemplo de como pecados podem causar dor e sofrimento a pessoas que não participam do ato em si.Sejamos cautelosos,tendo discernimento e sabedoria,pois nossos atos podem mais a frente prejudicar pessoas que amamos.

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  9. Obrigado por essa mensagem,falou muito ao meu coração,esperando que o Espírito Santo mim de força para cumprir o meu chamado

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  10. Não sei, eu entendi de outra forma. Sua análise é muito boa, mas no meu ver Rispa adiou a sentença determinada por Deus. tanto é que Deus só foi favorável ao povo depois que Davi retirou os corpos dalí e enterrou. Eu ví a atitude dela como postergar algo que era inevitável. Mas sim, somente pela atitude dela que os corpos puderam ser enterrados dignamente.

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  11. Texto lindo muito edificante. Aprendi muito com esse texto.

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  12. Nessa atitude de postergar,chama a atenção de Davi, talvez seja por isso que ele resolveu dar um enterro digno? Só o enforcamento dos filhos de Saul não removeria a culpa,
    Diz o versículo 14:Depois disso,Deus atendeu as orações em favor da terra.
    Meu pensamento, ainda estou aprendendo a palavra engatinhando....

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  13. Esse história me fascina muito bom. Parabéns.

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  14. Por outro lado Rispa cuidava de cadáveres.... quantas vezes cuidamos de algo que já morreu ao invés de avançarmos, irmos adiante naquilo que Deus nos propôs?

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  15. Muito boa reflexão! Parabéns. Que Deus continue lhe usando com sabedoria desvendando cada mistério na Bíblia sagrada.

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