sexta-feira, 22 de julho de 2016

CERTEZAS NO VALE!




Ainda que eu ande por um vale escuro como a morte, não terei medo de nada. Pois tu, ó Senhor Deus, estás comigo; tu me proteges e me diriges”, Sl 23.4 (NTLH).

A palavra vale é definida como depressão alongada situada no sopé de um monte ou entre elevações topográficas como colinas e montanhas; em seu sentido figurado pode significar um tempo, lugar ou circunstância de grande sofrimento.
Você já reparou que em nossa vida há momentos que se assemelham a um vale? Ficamos cercados por que nos impedem de caminhar seguros, sentimo-nos vulneráveis às mais diversas intempéries. Os problemas vão surgindo um após outro como que em efeito cascata, deixando-nos com a forte sensação de que encontraremos uma saída. Todos têm uma história para contar de momentos de nocautes, imprevistos, e ficamos aturdidos, sem direção, frágeis, vulneráveis e precisando intensamente da ajuda de alguém. Nessas circunstâncias, nossa fé em Deus é posta em xeque, pois surgem sombras que vão tomando proporções gigantescas que aumentam os temores e tornam os passos vacilantes.
No entanto, apesar da escuridão, profundidade e extensão do vale, é perfeitamente possível encontrar refrigério, alívio, segurança em Deus. E essa verdade é percebida na vida de Davi, um homem cuja fé e confiança foram fundamentais em toda a sua trajetória, pois ele entendia não ser possível viver sem a companhia, a proteção e a direção de Deus.

Certeza da companhia de Deus - ".... Pois tu, ó Senhor Deus, estás comigo;"
O Salmo 23 expressa a convicção de Davi quanto à presença de Deus em sua vida e como isso o fez suportar as mais terríveis aflições pelas quais passou. Embora os tempos sejam outros, em muitos momentos passamos por situações semelhantes às vivenciadas pelo salmista. Com diferentes nuances e contornos, o vale continua sendo aquela situação difícil e inesperada que nos surpreende, atemoriza, e expõe toda a nossa fragilidade e impotência humana. Nesses momentos, somente a graça de Deus é capaz de nos sustentar e a Sua presença em nossas vidas é a certeza de que seremos vitoriosos ao atravessá-lo.
Então, se por um acidente qualquer, você se encontrar no meio de um vale, não esmoreça, nem perca a esperança – ANIME-SE! Apesar de circunstâncias adversas ou dias sem brilho, eles se podem tornar luminosos e claros, proporcionando elevadas e sublimes experiências com Deus. Na verdade, o que precisamos saber é que o vale da sombra da morte pode-se tornar o vale das bênçãos quando Deus está presente, como está escrito: “Bem-aventurado o homem cuja força está em ti, em cujo coração se encontram os caminhos aplanados, o qual, passando pelo vale árido, faz dele um manancial”, Sl 84.6.
  
Certeza de proteção -  "... tu me proteges..."
Para expressar melhor a sua visão de Deus, o salmista tomou emprestada a figura de um bondoso pastor de ovelhas e o seu relacionamento com o rebanho. Davi sabia o que era ser pastor, pois exercera esta atividade quando jovem. Conhecia, por experiência própria, todas as dificuldades e perigos do caminho, sabia que a segurança da ovelha dependia inteiramente do cuidado e da proteção do pastor.
Em certas ocasiões, é comum sentirmos medo diante de algumas situações. O medo produz fraqueza, desespero e pânico. Ao sentir medo recorra ao Senhor em suas orações, exercite sua fé, deixe de olhar para a extensão e profundidade do vale e olhe para o Autor e Consumador da fé, Hb 12.2. Lembre-se que a figura do pastor retrata Deus como guia e protetor. Ele sempre conduzirá suas ovelhas ao destino certo e esperado, desviando-as dos perigos e revezes. Nos montes ou nos vales, a mão que nos guia nos fará atravessar e nos orientará e nos conduzirá a salvo até nosso destino final. “Sê forte e corajoso, não temas, nem te espantes, porque o Senhor, teu Deus, é contigo por onde quer que andares”, Js 1.9.

Certeza de direção - "...e me diriges".
Provavelmente o Salmo 23 é o mais conhecido, lido e recitado em todo o mundo. Davi tinha a plena convicção e consciência de quem era o Senhor e do que Ele representava para sua vida. Por isso, ele afirma, com segurança, que quem o guia e o conduz é o Senhor. É possível que ele tenha escrito este salmo, quando estava cercado por tropas de um rei inimigo, ainda assim não temeu, e sua confiança na providência divina não foi abalada.
Quanto a nós, que possamos, também, apropriarmo-nos das verdades contidas neste salmo, convictos de que somos ovelhas desse Pastor, sabendo que as necessidades serão supridas, as feridas cuidadas, e que Ele nunca desprezará ou se separará do Seu rebanho. Precisamos aprender a sermos totalmente dependentes de Deus, seja qual for a situação, pois, por Ele somos conduzidos pelo caminho seguro e certo, que nos levará ao destino almejado.
Facilmente quando nos vemos diante de situações que se assemelham a travessia de um vale, esmorecemos em nossa esperança e as lágrimas embaçam a visão. Quando isso acontece, inevitavelmente, perdemos a real dimensão do nosso Deus. Somente com Ele é possível tirar desses vales grandes benefícios e bênçãos duradouras. É consolador descobrir que mesmo os mais escuros vales têm, em Deus, uma fonte de força e coragem. Os desastres e tempestades não pegam o nosso Deus de surpresa, porque “... Os dias que me deste para viver foram todos escritos no teu livro, quando ainda nenhum deles existia. ”, Sl 139.16b.  Nossa esperança reside em saber que o Deus da história também é o Deus dos vales. Caminhar assim, certos de Sua presença faz o nosso coração descansar.

        Apesar de difíceis e inexplicáveis precisamos saber que os vales também são temporários e podem ser cheios de possibilidades, afinal uma coisa é certa: Deus estará sempre conosco dando-nos proteção e direção!

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Lições com Rispa





Gosto de textos intrigantes, pois sempre escondem tesouros em suas entrelinhas. Tesouros nunca estão à vista de todos. É preciso procurar com afinco, persistência e atenção para encontrá-los. Alguns estão no fundo dos oceanos, uns no mais profundo da terra, outros precisam de mapas e orientações bem específicas; mas outros estão nas entrelinhas das narrativas bíblicas. Esses possuem um valor mais elevado que qualquer outro, pois nos ensinam a viver rica, produtiva e sabiamente.
O texto bíblico de 2 Samuel 21.8-14 baseia-se na breve história de uma mãe e seus dois filhos. Seu nome: Rispa. Esta mulher era filha de Aia e uma das concubinas do rei Saul; dessa união nasceram-lhe dois filhos: Armoni e Mefibosete. Um grave período de fome, que durou três anos, levou Davi a perguntar ao Senhor qual era a causa daquela tragédia. A resposta foi que tudo aquilo acontecia por causa da tentativa de Saul de destruir os gibeonitas e, assim, quebrar o pacto que Josué fizera com eles (Js 9).
De posse da resposta, Davi perguntou aos gibeonitas o que devia fazer para contornar aquela situação e eles pediram que lhes fossem entregues sete descendentes de Saul, para que fossem mortos. Neste “acordo de paz e reparação”, os dois filhos de Rispa com Saul, Armoni e Mefibosete, estavam entre os que foram entregues pelo rei. Depois de mortos, seus corpos foram deixados expostos em Gibeá. Rispa, a mãe dos rapazes, colocou-se sobre a rocha, perto dos cadáveres, e não permitiu que os pássaros ou qualquer outro animal tocassem neles, “desde o princípio da sega, até que a água caiu do céu”, (2Sm 21.10). Isso quer dizer que, num período de aproximadamente sete meses (esse era o período da colheita, que durava de abril a outubro), ela fez o improvável: não abandonou seus filhos, nem mesmo depois de mortos.
A dor daquela mulher de perder seus filhos se materializou em sua atitude. Dia e noite ela se pôs a afastar os animais que ousassem se aproximar dos cadáveres de seus filhos. Durante todo o período de dor, questionamentos e solidão que Rispa enfrentou por contemplar todos os dias os corpos de seus filhos, como se nunca tivesse ouvido seus risos e se unido a eles em seus sonhos e planos para o futuro, é possível que outras mulheres tenham se juntado a ela, ajudando-a nessa missão aparentemente sem qualquer sentido.
O que mais Rispa podia fazer naquela situação? O que fazer quando parece que nada mais pode ou vale a pena ser feito?
Talvez alguns a criticassem julgando-a como louca, histérica, mas é possível também que sua atitude despertasse a compaixão e a solidariedade de outros. O fato é que aquela mulher continuou exercendo seu papel de mãe com zelo, cuidado, persistência e coragem. Em meio aquele caos, ela encontrou algo para fazer por seus filhos: cuidar para que as aves e os animais não se alimentassem de seus corpos. Pode parecer uma atitude insana, estranha, sem nexo algum, mas Rispa nos deixa uma preciosa lição: cumprir o nosso papel, seja ele qual for, com cuidado e dedicação até o fim.
Aqui vão algumas lições que podemos aprender com Rispa:
1 - Todos têm o seu valor, independente do lugar que ocupam na comunidade no qual estão inseridos (2Sm 21.11). Quem era Rispa? Ela era concubina de Saul. Pouco sabemos sobre sua vida, mas uma coisa é certa: viver como concubina do rei não era tarefa fácil, apesar de todo glamour da vida palaciana. Portanto, não se julgue sem valor, incapaz, indigno ou impossibilitado para fazer algo ou ser alguém que provocará uma mudança radical em algum cenário à sua volta.
2 - Toda tarefa (missão - ministério) tem seu grau de importância (2Sm 21.10) - ainda que humana ou socialmente se tenha essa visão, abanar cadáveres durante meses, por exemplo, não parece ser algo muito significativo. Mesmo sendo Rispa a mãe "dos cadáveres", podemos pensar: “nada mais justo que a própria desempenhasse tal papel”. Ao contrário de Rispa, muitos pais desistem, antes mesmo que seus filhos morram fisicamente. Graças a atitude dessa mulher, as famílias que sofriam por verem seus entes queridos se deteriorando à vista de todos, usufruíram da atitude aparentemente sem qualquer valor.
3 - É preciso aprender a trabalhar sem os holofotes ou o reconhecimento de terceiros (2Sm 21.10a). A atitude de Rispa era um protesto solitário e é provável que ela não tenha intencionado alcançar resultados para além do enterro de seus filhos. No entanto, não somente seus filhos como todos os enforcados e também os restos mortais do rei Saul e seu filho Jônatas foram beneficiados com um sepultamento digno.
4. Cumpra seu papel, qualquer que seja ele, até o fim, 2Sm 21.10 b "... não deixou que se aproximassem deles as aves do céu de dia, nem os animais do campo de noite" - Qual o papel que, neste momento, cabe a você? Marido? Cumpra seu papel de esposo com fidelidade, amor, respeito e carinho até o fim. Esposa? Seja uma esposa dedicada, companheira, leal, amorosa e respeitosa até o fim. Mãe? Seja uma mãe dedicada na educação, na formação, na autonomia, no cuidado e no desenvolvimento saudável dos seus filhos até o fim; buscando o equilíbrio nas relações e promovendo um ambiente de diálogo e compreensão. Pai? Seja um pai presente, compreensivo, afetuoso e respeitoso; cumpra seu papel até o fim. Filho? Seja um filho grato, digno, respeitoso, afetuoso com seus pais, independente da sua idade; você recebeu cuidado, atenção, educação e alimentação, então prepare-se para retribuir cuidando deles, quando não puderem fazer por si mesmo. E, se seus pais não deram o que você precisava, não cuidaram como deveriam, enfim, não cumpriram seus papeis, não lhe cabe ser o juiz que os sentenciará à pena de pagar na mesma moeda. Seja filho até o fim. Chefe/líder? Seja um chefe digno, respeitoso, desempenhe seu papel com honra, responsabilidade e comprometimento com um ambiente de trabalho salutar. Cumpra seu papel até o fim. Colaborador? Seja um colaborador respeitoso, digno, pacificador e comprometido com a excelência dos resultados; cumpra seu papel até o fim. Enfim, qualquer que seja sua missão cumpra-a com zelo e comprometimento até o fim.
5. Transforme sua dor em algo produtivo (2Sm 21.11-12). Abanar os cadáveres de seus filhos foi a forma encontrada por aquela mulher para aplacar a sua dor, uma vez que nem ela nem eles foram responsáveis pela morte dos gibeonitas. Sua tragédia pessoal foi uma bandeira solitária contra o fim designado a seus filhos. Rispa alcançou resultados inimagináveis. Ainda hoje falamos sobre sua atitude. Podemos deixar de ser abençoados e abençoar alguém pelo simples fato de nos entregarmos à autocomiseração.
Isso nos leva a última, mas não menos importante lição:
6. Nossas atitudes não trazem consequências somente para nós. Como sempre digo: a vida é sua, mas as consequências são nossas! Quando alguém não cumpre o seu papel "até o fim", outros serão penalizados por isso. Saul, num ato insano de desobediência, feriu os gibeonitas, quebrando uma aliança feita desde a liderança de Josué. Os gibeonitas não queriam ouro e prata, e nem guerrear contra Israel, mas que fossem vingados pelo que Saul fez.
A morte dos filhos de Rispa não foi responsabilidade dela, e tampouco deles. Apesar disso, de alguma forma, ela atravessou aquele momento com um gesto solitário. Enxotar as aves e os animais era não se conformar com aquele trágico fim. Era, ao menos, desejar aos filhos uma despedida digna, um enterro descente da breve vida que tiveram. As palavras não ditas por aquela mulher ecoaram através de sua atitude e chegaram ao conhecimento do rei Davi (2Sm 21.11). Foi assim que o rei enterrou os ossos de Saul, Jônatas e de todos os outros que padeceram do mesmo fim que Armoni e Mefibosete, os filhos de Rispa. Sua atitude, antes solitária, se estendeu para além de sua própria dor e abençoou outras famílias que experimentaram a mesma angústia. O protesto solitário daquela mulher ecoou através dos muitos séculos e nos alcançou.
Talvez seja difícil acreditar que ainda exista algo a ser feito por alguém do nosso ciclo de relacionamentos, quando todos os recursos materiais se esgotaram. No entanto, deixemo-nos cativar pelo exemplo de Rispa, perseverante e determinada, aquela que cumpriu o seu papel de mãe até o fim. Não desanimemos. Sempre há algo a ser feito!